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A
Revolta da Chibata foi um movimento de militares da
Marinha do Brasil, planejado por cerca de dois anos e que culminou com um motim que se desenrolou de
22 a
27 de novembro de
1910 na
baía de Guanabara, no
Rio de Janeiro, à época a
capital do país, sob a liderança do marinheiro
João Cândido Felisberto.
Na ocasião, mais de dois mil marinheiros rebelaram-se contra a aplicação de castigos físicos a eles impostos como punição, ameaçando bombardear a cidade. Durante os seis dias do motim seis oficiais foram mortos, entre eles o comandante do
Encouraçado Minas Gerais,
João Batista das Neves.
[editar] Antecedentes
Marinheiros em revolta, João Cândido ao centro,
1910.
Os castigos físicos, abolidos na Marinha do Brasil um dia após a
Proclamação da República, foram restabelecidos no ano seguinte (
1890), estando previstas:
- "Para as faltas leves, prisão a ferro na solitária, por um a cinco dias, a pão e água; faltas leves repetidas, idem, por seis dias, no mínimo; faltas graves, vinte e cinco chibatadas, no mínimo."
Os marinheiros nacionais, quase todos negros ou
mulatos comandados por um oficialato branco, em contato cotidiano com as marinhas de países mais desenvolvidos à época, não podiam deixar de notar que as mesmas não mais adotavam esse tipo de punição em suas belonaves, considerada como degradante. O uso de castigos físicos era semelhante aos maus-tratos da
escravidão, abolida no país desde
1888. Paralelamente, a reforma e a renovação dos equipamentos e técnicas da Marinha do Brasil eram incompatíveis com um código disciplinar que remontava aos séculos
XVIII e
XIX. Essa diferença foi particularmente vivida com a estada dos marujos na
Inglaterra, em
1909, de onde voltaram influenciados não só pelas lutas dos colegas britânicos mas também pela revolta dos marinheiros da
Armada Imperial Russa, no
Encouraçado Potemkin, ocorrida poucos anos antes, em
1905.
Revolta em encouraçado brasileiro,
1910.
Ainda na Inglaterra, o marinheiro
João Cândido Felisberto formou clandestinamente um Comitê Geral para organizar a revolta, que se ramificaria depois em vários comitês revolucionários para cada navio a entrar em motim, e que se reuniam no Rio de Janeiro entre 1909 e
1910. Em 1910 juntou-se a este comitê o marinheiro
Francisco Dias Martins, vulgo "Mão Negra", que tinha facilidade para escrever, e tinha ficado famoso por uma carta, sob este
pseudônimo, aos oficiais contra a chibata em recente viagem ao
Chile.
Marcada para dez dias depois da posse do Presidente Hermes da Fonseca ocorrida em 15 de Novembro de 1910, o que precipitou o ápice da revolta acabou sendo a punição aplicada ao marinheiro Marcelino Rodrigues Menezes do
Encouraçado Minas Gerais. Por ter trazido
cachaça para bordo e, em seguida, ter ferido com uma
navalha o cabo que o denunciou, foi punido, não com as vinte e cinco chibatadas máximas regulamentares, e sim com duzentos e cinquenta, na presença da tropa formada, ao som de
tambores, num dia da semana seguinte à posse do presidente. O exagero dessa punição, considerada desumana, provocou uma indignação da tripulação muito superior à que já vinham sentindo durante a conspiração da revolta.
Na
baía de Guanabara, na noite de
22 de novembro, os marinheiros de Minas Gerais amotinaram-se. Quando o comandante Batista das Neves retornava de um jantar oferecido a bordo do navio francês Duguay-Trouin, foi cercado pelos amotinados e, depois de uma curta luta, mataram-no a tiros e a coronhadas. Na sequência, outros cinco oficiais foram assassinados, conforme acordavam e saíam dos seus camarotes para verificar o que se passava. Enquanto isso, o 2º tenente Álvaro Alberto, o primeiro oficial gravemente ferido, com golpe de
baioneta, conseguiu alcançar o
Encouraçado São Paulo num escaler e notificou os demais oficiais da armada, que escaparam para terra.
Sem os seus oficiais a bordo, os encouraçados São Paulo (o segundo maior navio da Armada à época) e
Deodoro, o
cruzador Bahia, e mais quatro embarcações menores ancoradas na baía, aderiram ao motim no decorrer da noite.
Na manhã seguinte (
23 de novembro), sob a liderança do marinheiro de primeira classe
João Cândido Felisberto e com redação de outro marinheiro,
Francisco Dias Martins, foi então emitido um
ultimato no qual ameaçavam abrir fogo sobre a então Capital Federal:
- O governo tem que acabar com os castigos corporais, melhorar nossa comida e dar anistia a todos os revoltosos. Senão, a gente bombardeia a cidade, dentro de 12 horas. (carta de João Cândido, líder da revolta)
E complementava:
- "Não queremos a volta da chibata. Isso pedimos ao presidente da República e ao ministro da Marinha. Queremos a resposta já e já. Caso não a tenhamos, bombardearemos as cidades e os navios que não se revoltarem."
Surpreendido e sem capacidade de resposta, o governo, o Congresso e a Marinha divergiam quanto à resposta, pois a subversão da hierarquia militar é um dos principais crimes nas Forças Armadas. A população da então Capital, num misto de medo e curiosidade, permaneceu em estado de alerta, parte dela refugiando-se longe da costa enquanto outros se dirigiram à orla para assistir o bombardeamento ameaçado pelos marinheiros.
A Marinha esboçou um ataque aos revoltosos com dois navios menores, mas além de rechaçá-lo, estes bombardearam as instalações na
ilha das Cobras. Outros disparos foram efetuados sobre o
Palácio do Catete, sede do Poder Executivo. Ainda nessa manhã, o deputado e capitão-de-mar-e-guerra
José Carlos de Carvalho esteve a bordo dos encouraçados Minas Gerais e do São Paulo, dando início às negociações com os amotinados.
Os navios que não aderiram à revolta, na maioria
contratorpedeiros, entraram em prontidão para
torpedear os amotinados. No dia
25 de Novembro, o então Ministro da Marinha, almirante
Joaquim Marques Batista Leão expediu a ordem: "
hostilize com a máxima energia, metendo-os a pique sem medir sacrifícios." No mesmo dia, entretanto, o Congresso Nacional votava a anistia para os revoltosos.
Quatro dias mais tarde, a
26, o governo do presidente marechal
Hermes da Fonseca declarou aceitar as reivindicações dos amotinados, abolindo os castigos físicos e anistiando os revoltosos que se entregassem. Estes, então, depuseram armas e entregaram as embarcações. Entretanto, dois dias mais tarde, a
28, alguns marinheiros foram expulsos da Marinha, sob a acusação de "
inconveniente à disciplina".
A
4 de dezembro, quatro marujos foram presos, sob a acusação de conspiração. Em meio a uma forte onda de boatos, isolados e desorganizados, os fuzileiros navais sublevaram-se na
ilha das Cobras (dia
9 do mesmo mês), sendo bombardeados durante todo o dia, mesmo após hastearem a bandeira branca. De seiscentos revoltosos, sobreviveram pouco mais de uma centena, detidos nos calabouços da antiga
Fortaleza de São José da Ilha das Cobras. Entre esses detidos, dezoito foram recolhidos à cela n° 5, escavada na rocha viva. Ali foi atirada
cal virgem, na véspera do
Natal. Após vinte e quatro horas, apenas João Cândido e o soldado naval Pau de Lira sobreviveram. Cento e cinco marinheiros foram desterrados para trabalhos forçados nos
seringais da
Amazônia, tendo sete destes sido
fuzilados nesse trânsito.
Apesar de se declarar contra a manifestação, João Cândido também foi expulso da Marinha, sob a acusação de ter favorecido os rebeldes. O
Almirante Negro, como foi chamado pela imprensa, um dos sobreviventes à detenção na ilha das Cobras, foi internado no Hospital dos Alienados em Abril de
1911, como louco e indigente. Ele e dez companheiros só seriam julgados e absolvidos das acusações dois anos mais tarde, em
1 de dezembro de
1912.
Em
24 de julho de
2008, através da publicação da
Lei Federal nº 11.756/2008 no
Diário Oficial da União, foi concedida anistia
post mortem a João Cândido Felisberto, e aos demais participantes do movimento.
[1]
Notas
[editar] Bibliografia
- Atlas histórico IstoÉ/Brasil 500 anos. São Paulo: Editora Três, 2000. p. 98.
- João Cândido, o Almirante Negro. Rio de Janeiro: Museu da Imagem e do Som, 1999. il. fotos.
- ROLAND, Maria Inês. A Revolta da Chibata. São Paulo: Editora Saraiva, 2000. ISBN 8502030957
- SILVA, M. A. da. Contra a Chibata: marinheiros brasileiros em 1910. São Paulo: Brasiliense, 1982. p. 11-12. (Coleção Tudo é História)
- MAESTRI, Mário. 1910: a revolta dos Marinheiros. Uma saga negra. 3 ed. São Paulo: Global, 1982.
- MAESTRI, Mário. Cisnes negros: 1910: a revolta dos marinheiros contra a chibata. São Paulo: Moderna, 1998.
- NASCIMENTO, Álvaro Pereira do. Cidadania, cor e disciplina na revolta dos marinheiros de 1910. Rio de Janeiro: Mauad, 2008.
[editar] Filmografia