Participação do Brasil na 1ª Guerra trouxe ganhos modestos e baque econômico
"O principal legado da Primeira Guerra Mundial para o Brasil foi revelar nosso atraso político e econômico. O país perdeu oportunidades de usar o conflito, a começar pela decisão de escolha de lado. A Alemanha, por exemplo, ofereceria ao Brasil uma chance de escapar do imperialismo da Grã-Bretanha", afirma Vinhosa, autor de O Brasil e a Primeira Guerra Mundial, um dos mais completos estudos sobre o tema, lançado em 1990.
Neutro durante boa parte dos três primeiros anos do conflito, uma posição alinhada com a do governo dos Estados Unidos, o Brasil entrou na guerra em 1917, usando como justificativa oficial os ataques de submarinos alemães a navios mercantes brasileiros.
Em um desses episódios, o afundamento do navio Paraná, morreram três marinheiros. O incidente provocou indignação popular, levando a ataques contra empresas e estabelecimentos comerciais ligados à colônia alemã no país.
"Mas 1917 foi o ano em que os americanos também entraram na guerra e todos os países já tinham em mente uma possível divisão dos espólios do pós-guerra. O Brasil buscava um lugar de destaque no cenário internacional", completa Vinhosa.
Baque econômico
O Brasil foi o único país sul-americano a participar do conflito: declarou guerra à Alemanha em 26 de outubro de 1917, por meio do presidente Venceslau Brás.Leia mais: Na linha do tempo: Há cem anos estourava a 1a Guerra Mundial
Quando a guerra eclodiu, em 1914 - há cem anos -, o Brasil tinha sua economia predominantemente agroexportadora e focada no café. Controlava nada menos que quatro quintos da oferta mundial.
Consequentemente, o caos provocado no comércio internacional foi particularmente sentido pelo país, através de dois canais. Primeiro, a queda na demanda pela commodity; segundo, o acúmulo de toneladas e toneladas do produto em armazéns europeus como garantia de pagamentos para dívidas externas - um ponto que, por sinal, os diplomatas brasileiros levantariam durante as negociações do Tratado de Versalhes, o principal documento do pós-guerra, em 1919.
"Apenas entre 1914 e 1915 as vendas de café caíram em um terço em função do bloqueio naval estabelecido pela Grã-Bretanha para produtos de países neutros", explica o historiador canadense Rodrick Barman, especialista no Brasil dos séculos 19 e 20.
Golfinhos 'inimigos'
Do ponto de vista militar, seria difícil para o Brasil ter participado de forma graúda no conflito. Com um exército de apenas 54 mil homens e uma marinha que perdera em pujança nos anos conhecidos como a República Velha (1898-1930), o país só poderia prestar ajuda simbólica.Sendo assim, além do envio de 20 oficiais e de uma força médica de cem homens para a Europa, o Brasil despachou missões navais para atuar sob ordens britânicas no Atlântico, para patrulhar a costa ocidental africana, o que incluía "limpar" trechos minados.
Numa delas, houve grande número de mortos - mais de 150. Só que o "inimigo" foi, na verdade, um surto da gripe espanhola. A mesma doença que em 1919 mataria o então presidente eleito Rodrigues Alves.
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Grãos argentinos
Mas se não sofreu diretamente com os horrores do conflito, em que 17 milhões de pessoas morreram e mais de 20 milhões ficaram feridas, o Brasil saiu da guerra combalido.A queda no poder de compra e o aumento do custo de vida (os preços de varejo no Brasil registraram alta de 158% entre 1913 e 1918) aumentaram a insatisfação popular e fomentaram o fortalecimento da classe trabalhadora, incluindo o crescimento de movimentos sindicais. Já surgem as primeiras grandes greves em 1917 e 1918.
O descontentamento também teve lugar em esferas mais altas, como explica Vinhosa.
"Já em 1922 a República Velha enfrenta o primeiro episódio do Movimento Tenentista, a Revolta dos 18 do Forte (um levante de oficiais contra o então presidente, Epitácio Pessoa) e este é o mesmo ano em que é fundado o Partido Comunista Brasileiro."
Mudança de órbita
Na política internacional, o conflito marcou a mudança do eixo de influência sobre o Brasil de Londres para Washington. O Brasil também participou das reuniões Versalhes e até ganhou um assento na Liga das Nações, a predecessora da ONU. Uma vitória efêmera, já que a Liga fracassaria como entidade por conta do impasse interno nos EUA que não permitiu a filiação do país.Houve, porém, alguns ganhos econômicos: os distúrbios provocados pela guerra no mercado internacional obrigaram o Brasil a prestar mais atenção à sua indústria, com destaque para a produção de substituição de importações. Entre 1912 e 1920, o número de trabalhadores na indústria brasileira praticamente dobrou.
Mas vizinhos como a Argentina, que se manteve neutra e arrecadou uma quantidade substancial de divisas com a venda de trigo para britânicos e franceses, riram por último: o país terminou a Primeira Guerra com a dívida externa paga.